terça, 01 janeiro 2019 15:27

Marta Rocha - Campeã Nacional de Strongwoman

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Iniciamos o ano em força com a campeã nacional de Strongwoman.

IncomumMagazine - O que é StrongWoman? É uma modalidade que existe há muito tempo em Portugal?

Marta Rocha - StrongWoman é a vertente feminina do desporto de Strongman, como o nome indica. Na sua essência é um desporto que consiste em levantar cargas pesadas, sejam elas em barra ou odd objects como bolas, troncos, etc. para carga, tempo e/ou resistência. A modalidade é bastante recente em Portugal, creio que não haja sequer uma mão cheia de eventos da modalidade. Lá fora está a ter um momento de crescimento exponencial mas Portugal é um país que sofre de algum atraso em tudo o que são desportos de força até por falta de tradição na área então tudo é mais lento.

IM - Quando começaste a treinar? Que desportos praticaste?

MR - O meu primeiro desporto foi a natação. Comecei aos 3 anos porque os meus pais queriam ir de férias sem terem que estar constantemente preocupados com a ideia de eu cair a uma piscina e não saber nadar. Pratiquei natação até aos 15, quando descobri o volleyball, primeiro escolar e depois federado, que pratiquei até ir para a faculdade. Na faculdade o tempo era pouco e só depois de ter acabado a licenciatura consegui voltar a praticar actividade física. Fazia aulas de grupo até 2014 quando estava a fazer zapping na tv e na Eurosport apanhei um especial do Crossfit Invitational. Vi uma rapariga mega ripada a andar em pino e depois a agarrar uma barra olímpica e a fazer uns snatchs e tive que pesquisar na net o que estava a ver. Descobri uma box de Crossfit na minha zona e é o que pratico diariamente até hoje. Strongwoman é uma descoberta mais recente que tem apenas uns mesinhos na minha vida.

IM - Como descobriste a tua paixão pela força?

MR - Eu sempre soube que tinha força. Infelizmente em Portugal não existe qualquer tipo de cultura de treino de força, muito menos para raparigas. Na escola as aulas de Educação Física eram Futebol, Basketball, corrida, ginástica, dança... os professores tinham que me colocar a fazer as aulas com os rapazes porque eu ficava frustrada com as outras raparigas por não levarem os treinos a sério. A primeira vez que consegui sentir que estava efectivamente na minha piscina foi nas aulas de BodyPump do ginásio (o que olhando para trás parece até surreal) porque foi a primeira vez que tive uma barra de qualquer espécie na mão. A barra do Pump passou para barras olímpicas e os pesos foram aumentando e nunca mais parei.

IM - Como decidiste ser uma strongwoman?

MR - A decisão foi meio inesperada até para mim! Queria já há algum tempo experimentar uma modalidade diferente onde me pudesse dedicar a 100% ao treino de força. Inicialmente a ideia era experimentar Powerlifting mas quando me fui inscrever na PowerExpo vi que havia uma competição de Strongwoman e pensei “porque não?”l. Mais uma vez a Eurosport vem “à baila” porque me lembro de pequenina ver no canal competições de Strongman com o meu pai. Tenho várias memórias especialmente de ver eventos de atlas stones e sempre fiquei com curiosidade. Na altura não se viam competições de mulheres, então nunca pensei que um dia poderia ser eu a levantar aquelas bolas de cimento. Um dos meus antigos colegas de equipa de Crossfit praticava e dava treinos de Strong_Wo_Man, entrei em contacto com ele a aí me lancei.

IM - Em que consiste uma competição strongwoman?

MR - Como numa prova de Strongman a competição por norma consiste em 5 eventos cujo propósito é testar força máxima ou capacidade de trabalho em overhead press, deadlift, load, carry, squat, pull/flip. Estes elementos podem ser combinados em diferentes medleys ou testados individualmente.

IM - Como é o teu treino?

MR - Sinto ainda alguma hesitação em intitular-me Strongwoman porque o meu treino é 80% Crossfit. Treino 6 vezes por semana, 5 treinos dos quais são Crossfit. Para quem não conhece é basicamente treino de movimentos funcionais variados, praticados a alta intensidade. Uma vez por semana treino sim um treino Strongwoman na Crossfit LAV de 2h/2h30. Esse treino é diferente todas as semanas para abranger todas as áreas da modalidade. Acima de tudo o que posso dizer é que não tenho dois treinos iguais.

IM - Como é a tua alimentação? Fazes algum tipo de dieta ?

MR - De momento estou a trabalhar para optimizar essa parte da minha vida. Trabalho 8 horas por dia, treino hora, hora e meia e embora eu prepare 90% da minha alimentação sei que estou a comer demasiado pouco para os meus objectivos. Nós mulheres somos mais ou menos formatadas para acreditar que temos que restringir, cortar e cortar mais um pouco quando às vezes o necessário é mesmo o oposto. Tenho uma alimentação equilibrada e se tivesse que associar algum termo seria low-carb. No meu caso específico é como me sinto melhor porque tenho um metabolismo muito lento. Dou prioridade a legumes e vegetais (adoro sopa e nunca falta lá em casa) e a proteína, animal ou não, porque me sinto cada vez mais atraída por comida vegan. Mas é um processo! Estou a trabalhar com uma nutricionista especializada neste momento para cumprir os meus objectivos de 2019.

IM - Usas alguns suplementos alimentares?

MR - Sim. É parte fundamental de qualquer regime desportivo. A primeira coisa que faço todos os dias é tomar um complexo de vitaminas (B,D, C e Ômegas), magnésio, glucosamina e condroitina. Durante treinos mais longos, especialmente os de strongman, tomo bcaa’s e no pós-treino tomo um shake de whey, aveia, curcuma e spirulina (dois excelentes anti-inflamatórios e antioxidantes naturais).

IM - Desportos que envolvem a musculação (fisioculturismo, powerlifiting, strongwoman, etc) geralmente sofrem preconceitos porque são associados ao uso de recursos ergogénicos. O que pensas sobre isso?

MR - Sou muito pragmática no que diz respeito a esse assunto. Em Portugal poucos são os atletas que fazem vida da actividade desportiva. A maior parte dos atletas têm vidas profissionais, pessoais etc. que pouco ou nada têm a ver com o desporto que praticam. Todos os recursos ergogênicos têm consequências provadas a longo prazo que no caso das mulheres vão da hiper pilosidade à perda de cabelo, infertilidade, problemas cardíacos, problemas de depressão e episódios maníacos, tumores, etc... parece-me uma lotaria demasiado perigosa para ser “o maior da capoeira”. Tive alguns problemas de saúde durante a minha vida que me ensinaram o quão importante é manter o nosso corpo quimicamente equilibrado. Mexer nessa química de forma não supervisionada e por motivos não relacionados com saúde é algo que pessoalmente está completamente fora de questão.

Acredito piamente que enquanto o desporto de elite for uma fonte de lucro para tantos (media, apostadores, sponsors, etc..) haverá uma busca contínua para ter algum tipo de upper hand competitivo. Não creio que haja um desporto, do fisiculturismo ao xadrez, do atletismo ao ping-pong, onde não se recorra a algo para ultrapassar limites e recordes. É por causa desta pressão constante para se ser competitivo que muitas pessoas acreditam que têm que recorrer a outros meios para sonhar mais alto. Acho importante ter objetivos e correr atrás deles mas não creio que tenhamos que colocar a nossa vida e o nosso futuro fora do desporto na linha para o conseguir. Recomendo a todos, já agora, o documentário Icarus no Netflix.

IM - Como consegues manter o foco e a disciplina para este tipo de modalidade?

MR - Esta é a resposta mais fácil: quem corre por gosto não cansa. A verdade é que me sinto bem. Treinar faz parte da minha rotina e embora eu leve isto a sério é também um hobby. Sou designer de profissão portanto acho que conjugar trabalho com lazer, disciplina e paixão é algo que me é natural. Digo isto a toda a gente que me fala que quer começar a praticar algo mas que não se sente motivada: encontra algo que adores, que te faça vibrar quando pensas em ir treinar, e vais ver como nunca te falta motivação. Também admito que faz parte da minha forma de ser. Sou uma pessoa focada e dedicada e quando “mordo o osso” não largo. Aceito que algum tipo de sofrimento e privação faz parte do processo e não me incomoda de todo ter por exemplo que acordar às 6 da manhã todos os dias para treinar, ter que abdicar de saídas à noite ou álcool, as dores e a logística. Faz parte. Há sempre dias menos bons em que as coisas não correm como queremos, mas sabemos sempre que no dia seguinte há outra oportunidade.

IM - Quais os teus objetivos como atleta? Qual o teu maior desejo?

MR - Os meus objectivos estão em constante actualização. A curto prazo estou focada em evitar o agravamento de uma lesão crónica no joelho para a qual acabei de fazer fisioterapia há algumas semanas. O objectivo final para 2019 é no entanto e sem qualquer dúvida lutar para renovar o título de Campeã de Strongwoman na PowerExpo. Quero mostrar que não foi coincidência e que mesmo com pouco tempo de modalidade sou uma séria candidata ao título independentemente da concorrência. Tive um excelente feedback por parte da organização e dos concorrentes masculinos e vou trabalhar para orgulhar a todos os que me apoiaram e apoiam. Se o objectivo é o título nacional (para já), o desejo é ser um exemplo visível, na arena, para todas as raparigas e mulheres que não imaginavam possível ver uma mulher a levantar carga a sério. Tive duas miúdas mais novas que me pediram para tirar uma foto comigo depois da competição e foi das coisas que mais orgulho me deu na vida. É preciso mostrar às novas gerações que as mulheres podem e devem ser fortes!

IM - Que dicas dás para quem deseja iniciar nesse tipo de competição?

MR - Procurar ajuda de um profissional. Deixar o ego de lado e privilegiar sempre a segurança. São os melhores conselhos para se conseguir longevidade em qualquer desporto.

IM - Que títulos desportivos tens?

MR - O maior é de facto o de Campeã Nacional de Strongwoman. Já no Crossfit tenho um 3º lugar em equipas nos Community Summer Games de 2016, e embora não seja um título de todo, orgulho-me do meu 50º lugar nacional de 412 inscritas no Crossfit Open de 2018.

IM - Parece ser um desporto de alto risco para quem compete. Já sofreste alguma lesão grave?

MR - Qualquer desporto pode ser de alto risco. Costumo dizer que o potencial de lesão está associado a duas coisas: falta de técnica e falta de noção. Nesta modalidade quem dita os limites são os atletas, e nós temos que ter o bom senso de saber quando parar e quando arriscar. Quando estamos a falar de centenas de kg, uma má decisão pode ditar uma paragem longa ou uma reforma antecipada. Daí dar tanta importância ao acompanhamento profissional e à humildade que nos permite ter bom senso e estar o mais seguro possível. Curiosamente a única lesão grave que alguma vez sofri foi uma lesão por trauma constante no joelho e foi no volleyball. Como disse, acabei de fazer fisioterapia para essa lesão há umas semanas. Mais uma vez é uma questão de ter awareness e saber quando parar. Há lesões que não se evitam, mas há muitas outras que basta termos mão no ego para evitar.

IM - Qualquer mulher pode ser uma strongwoman? Se sim, em quanto tempo se pode chegar à forma física adequada?

MR - Qualquer mulher pode ser uma Strongwoman. Basta querer. Claro que se tivermos alguém que já tem um background desportivo com uma boa base de força a evolução vai ser mais rápida do que a de alguém sem qualquer tipo de experiência. Acima de tudo, e em ambos os casos, o essencial é ter paciência, aparecer nos treinos de forma consistente e “do the work”. É preciso acabar aqui também com o mito de que é preciso ganhar peso, “engordar”, para competir na modalidade. Existem várias categorias de peso e a força será sempre relativa. E como em todos os desportos, nem toda a gente treina para competir. O objectivo é simples e é global: ficar mais forte e ganhar competências. E para quem depois ganha o bichinho pela coisa a luta constante é aquele kg a mais que queremos levantar do chão que nunca nos deixa sentir como se estivessemos em pico de forma.

IM - O que é necessário para ser uma boa strongwoman?

MR - Um pouco de tudo o que já fui mencionando. Motivação para aparecer e treinar, mesmo quando está a chover, mesmo quando passámos o dia a trabalhar, mesmo quando o bom era ficar em casa enrolada na manta. Paciência para confiarmos que tudo é um processo e que os resultados não aparecem de um dia para o outro e que há momentos certos para nos testarmos. Força mental para não “largar o osso” e nos desafiarmos quando o momento é o certo. Humildade e optimismo para entrar na arena de igual para igual com todas as outras concorrentes, independentemente de tudo.

IM - Concilias bem a tua vida familiar, profissional e desportiva?

MR - O difícil é arranjar tempo para dormir! É uma ginástica que se consegue com alguma paciência e acima de tudo com noção de prioridades. Também já me conheço bem, sei por exemplo que não posso treinar mais que hora e meia por dia durante a semana porque o meu rendimento tanto no trabalho como nos treinos é afectado. Sei que tenho que ter pelo menos 7 horas por noite para dormir porque se não não recupero bem também. Os fins-de-semana acima de tudo estão reservados para a minha família e para estar com amigos com mais calma, mas durante a semana por vezes é complicado conseguir fazer tudo.

IM - Quem são as tuas ou teus atletas de eleição?

MR - A resposta mais óbvia é a Donna Moore. É uma besta de uma atleta, daquelas que uma pessoa diz “quando for mais grande quero ser como ela!” Numa referência bem menos óbvia e mais pessoal tenho que mencionar a Julia Hamilton, uma body positive Strongwoman do Texas com mais de 51 milhões de seguidores no instagram (@ladybeast_juju). Trocámos umas mensagens há uns anos atrás e mantivemos contacto e ela tem sido não só um exemplo para mim mas também um grande apoio neste caminho. Fora da modalidade sou a maior fã da atleta de Crossfit Kara Webb e sempre, sempre, sempre da tenista Serena Williams.

IM - Quem é ou são os teus maiores apoios?

MR - Para começar nada seria possível sem os meus pais. Tenho a sorte de ter crescido numa casa onde se eu pedisse para experimentar alguma coisa a resposta era sempre que sim, desde que eu me esforçasse e trabalhasse para ter resultados. Ainda lhes faz muita impressão ver-me levantar algumas das cargas, mas estão sempre lá, especialmente o meu pai que é um autêntico treinador de bancada. Tirando isso tenho que agradecer ao Sebastião Monteiro da Crossfit LAV por me ter apoiado e recebido como recebeu nas suas aulas de Strong_Wo_Man e a todo o grupo de treino, um grupo de pessoas impecáveis e que acima de tudo me permitem sempre ser eu mesma.

Credits: Fotos de Marta Rocha

Ler 3523 vezes Modificado em domingo, 01 março 2020 13:53
Andreia Almendra

Editora Executiva