sábado, 01 dezembro 2018 16:05

Carol (5) Campeã Olímpica Futsal Feminino Sub-19

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Carolina Rocha começou a jogar futsal profissionalmente aos 15 anos. Agora, aos 18, é jogadora do clube de futsal Novasemente. Representou a seleção portuguesa de futsal feminino que conquistou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos da Juventude em Buenos Aires.

À conversa com ela, falou-nos de como começou, o que a motivou e o que ainda pretende conquistar na sua carreira como jogadora profissional de futsal.

Quando é que tiveste o teu primeiro contacto com o futebol? Foi em casa, na escola?

Foi na escola. É assim, eu sempre gostei de jogar à bola e na escola jogava com os meus colegas e, na altura, um dos meus amigos de infância jogava num clube, na Cohaemato, e deram-lhe panfletos para ele dar pela turma toda porque precisavam de miúdos. Só que eu, na altura, já andava no ATL e fazia atividades desportivas lá. Então, nunca pensei que a minha mãe me fosse deixar ir para o futsal. Cheguei a casa, mostrei-lhe o panfleto e ela disse logo que sim. E foi assim, foi num sábado, fui de manhã com o meu pai e, quando cheguei lá, fiquei um bocado surpreendida porque era dos 7 aos 14 anos - eu tinha 7 - só rapazes. Todos os que não encaixavam nos escalões federados eles punham lá sábado e domingo a treinar. Fiquei com um bocado de receio mas o meu pai motivou-me logo. E pronto, comecei assim na Cohaemato, passado dois meses fui chamada para a equipa principal de Benjamins e fiquei lá até iniciados. Joguei seis anos lá.

Sempre tiveste um gostinho pelo futsal então?

A paixão pela bola foi algo que cresceu comigo naturalmente. Jogando muito ou pouco, eu gostava mesmo de ver e jogar. Tinha um primo meu que jogava; o Tiago Brito, que agora é jogador da seleção A de futsal, também jogava com ele e nós, eu e a minha mãe, às vezes acompanhávamos e víamos maratonas deles pela noite dentro. Eu adormecia logo na bancada não é (risos). Mas gostava de ver e gostava de os acompanhar. E eles também sempre fizeram com que o meu gosto crescesse em relação ao futsal e incentivaram-me sempre. E a minha mãe também sempre me apoiou em tudo o que eu queria.

E quando é que sentiste que o futsal era aquilo que querias para ti, profissionalmente?

Sinceramente, acho que isso foi um flash que me deu na cabeça, recentemente, uma coisa de dois, três anos. Enquanto joguei na Cohaemato com os rapazes não fazia ideia nenhuma de como era o futsal feminino. Nenhuma. E tive que sair da Cohaemato porque só podíamos jogar mistos até aos 14 anos, e eu fazia 15 em janeiro. A 14 de janeiro fiz o meu primeiro treino no feminino, nos Restauradores Avintenses. Fiquei pasmada com a qualidade que havia. E eu não tinha noção. Não tinha mesmo. Fiquei logo no plantel sénior e fiquei três anos no Restauradores. E foi mais ou menos a partir do meu segundo ano, ou seja, a minha primeira época oficial lá que eu me apercebi que o futsal feminino tem muita qualidade, muito profissionalismo, mas não é reconhecido como tal. Mas isso é algo que com o tempo se vai desenvolvendo. O campeonato onde mais se recebe é o espanhol e não é o suficiente mesmo assim. Mas, como eu disse, esse flash deu-me um ano depois porque foi quando o meu treinador me disse “olha, vai haver uma seleção nacional de sub-19 para os Jogos Olímpicos daqui a três anos e tu tens que estar lá. Tens que ir.”. Eu achei que era muito difícil e na primeira chamada à seleção, três meses depois, fui chamada e fiquei muito feliz. Depois de estar lá e viver aquilo pensei “eu tenho que estar na lista daqui a três anos”.

Quando começaste alguma vez te imaginaste a jogar na seleção ou foram as palavras do teu treinador?

Não, já quando estava na Cohaemato dizia “quando for grande quero jogar na seleção A feminina”. E ainda hoje não consigo esconder que é o meu maior objetivo e o meu maior sonho, chegar à seleção A. A seleção A vai ter o primeiro europeu oficial agora em fevereiro e é cá, no Porto, em Gondomar. Era uma oportunidade única mas, não sei se felizmente ou infelizmente, sei que ainda não estou ao nível que é preciso para estar na seleção A. Mas isso serve-me como motivação para continuar a trabalhar e continuar a crescer para alcançar esse objetivo que é, sem dúvida, desde sempre, o meu maior objetivo de todos. Mais do que chegar à seleção A, permanecer lá o máximo de tempo possível.

Há pouco mencionaste o facto de ser uma profissão mal remunerada. Achas que as equipas femininas que representaste e representas são apoiadas ou estão esquecidas pelo público?

A minha equipa, a nível nacional, bate-se com grandes, neste caso o Sporting e o Benfica. Em termos de condições, não há nada a apontar porque há condições, há patrocínios, há apoios.

Sentes que há diferença no tratamento entre as equipas masculinas e femininas no futsal?

No meu clube, a visão do futsal feminino é algo que é levado muito a sério e com muito respeito, com muita igualdade de géneros e isso faz com que nós não nos apercebamos tanto da maneira como é realmente tratado o futsal noutros distritos, noutras equipas com menos condições, com menos apoios. Na minha equipa não temos razão de queixa em relação a isso. Na seleção menos ainda porque é o auge e é o topo do futsal feminino. As seleções também são as que têm os maiores apoios, as maiores condições. Cada estágio a que nós vamos, não há absolutamente nada a apontar. Desde o momento em que chegamos ao momento que vamos embora. Mas em termos de, por exemplo, uma competição que se divida em feminino e masculino como o o campeonato nacional ou uma Taça de Portugal. No final da Taça de Portugal faz-se uma final four, que são as quatro melhores equipas que chegam ao fim, quer no masculino quer no feminino. As condições, no mesmo pavilhão, são diferentes. O masculino joga a uma hora que permite que mais gente apoie, ou ao final do dia ou estrategicamente ao fim de semana. Connosco não é bem assim, é um sábado ao meio dia ou um domingo às 10h da manhã. Ninguém se vai levantar da cama para ir mas, se calhar, se fosse uma final, um Sporting-Benfica masculino, às 10h da manhã, enchia mais o pavilhão do que se fosse uma final feminina às 18h da tarde. E nesse sentido há essa desigualdade. Mas já partilhamos o mesmo pavilhão que eles e, pronto, tem de ser aos poucos. Eles ficam hospedados em hotéis de 5*, nós não. Nós comemos no refeitório A, eles comem no refeitório B. Há diferença, há, mas lá está, é aos poucos e o futsal feminino há cinco anos, nem sequer tinha Taça de Portugal, portanto, são coisas que se vão conquistando com o tempo e há que valorizar mais do que criticar.

O que achas que se pode fazer para diminuir estas diferenças?

Não sei explicar porque acho que naturalmente o ser humano não olha para a mulher como uma pessoa capaz de fazer, em termos desportivos, o que um homem consegue mas, naturalmente também, acho que as mulheres vão dando cada vez mais respostas positivas às expetativas que nos criam. Nós superamos qualquer tipo de dúvida. Nós, no futsal, milhares de mulheres conquistam recordes dia após dia que nunca ninguém esperou. Mas principalmente no futsal e no futebol, não podemos comparar aquilo que é incomparável. E é isso que as pessoas têm que perceber e tentar mudar. Não podem esperar que uma mulher consiga correr o mesmo número de quilómetros que um homem num jogo mas podem esperar que ela também faça um golo de pontapé de bicicleta, que também marque um golo do meio campo. Nós não temos que ser comparadas de maneira nenhuma. Temos de ser valorizadas por aquilo que fazemos.

Já sofreste algum tipo de preconceito ou dificuldade, quer no início quer agora?

Quando jogava com rapazes, estava mais sujeita... É assim, na minha equipa eu nunca tive qualquer tipo de problema. Na Cohaemato era recebida e tratada como mais um, por mal que isto soe, eu fui sempre tratada como mais um e para mim não havia nada mais que me desse conforto. Mas a jogar, pela Cohaemato, contra outras equipas, estava muitas vezes sujeita a que mães e pais que vêem o futsal, principalmente na formação quando somos miúdos, me insultassem. Mas, são coisas que acontecem e se me chamaram a mim também chamavam aos outros rapazes. Claro que como única rapariga haviam sempre aqueles insultos que dava para ver que eram dirigidos a mim.

E os teus maiores apoios, quem são?

A minha mãe sem dúvida. Em 11 anos de futsal só não viu um jogo meu porque não tinha como ir a Lisboa. A minha mãe é uma inspiração pela pessoa que é, pela pessoa que me faz ser. Por pôr as cartas na mesa e fazer ver que tudo é possível. Basta eu querer, trabalhar, focar. Quer seja no futsal quer seja na escola, em qualquer meta da minha vida. O meu pai claro, que faz a sua função de super pai, todos os dias da semana, todos os dias do ano. Mãe é mãe, pai é pai, completam-se, completam-me a mim e não podia estar mais grata. Os meus amigos e no futsal, acima de tudo, a Cohaemato, por todas as pessoas que passaram por lá. A partir dos Restauradores há pessoas que me marcaram muito mesmo e que vou levar para o resto da minha vida e são essas que quero fazer referência: André Teixeira, o meu treinador, fez-me ser feliz como nunca fui no futsal; Angélica e Juna, duas colegas de equipa que são como irmãs para mim, são as minhas maiores referências e maiores apoios, o meu refúgio e a minha motivação.

Que sonhos tens para conquistar?

Não tenho ambição de destaque pessoal. Sei que para chegar onde quer que chegue só vou conseguir coletivamente e todos os meus maiores sonhos passam por estar nos maiores palcos de futsal com as minhas colegas de equipa. Quer a nível de clube quer a nível de seleção há muitas competições que existem e que ainda não fui. Dentro do clube é ganhar um campeonato nacional, uma Taça de Portugal e uma Supertaça. Na seleção como maior sonho é chegar à seleção A, ganhar um europeu, um mundial e, quem sabe, um dia, o futsal seja realmente uma modalidade olímpica e eu possa estar lá a representar o meu país que é o auge de qualquer jogador.

O momento que mais te marcou até agora foi a vitória da seleção? Como é que te sentiste?

Sim, se tiver que escolher só um, foi ganhar os Jogos Olímpicos. Eu não sei mesmo explicar. Acho que nem que escrevesse um livro conseguia explicar a emoção que é. Foram três anos de muito trabalho, muito treino e esforço, muito empenho e chegar ao final, a um minuto do fim, estar 4-1 e mesmo assim uma pessoa ter receio daquilo que possa acontecer, só prova a responsabilidade que é e o respeito com que nós encaramos qualquer jogo. Fiquei mesmo muito feliz, foi respirar fundo de alívio. Foi mesmo a melhor sensação da minha vida.

Durante a preparação para os Jogos Olímpicos quanto tempo treinavas?

No clube treinávamos três dias por semana, 2h cada treino e jogávamos ao fim de semana. Tínhamos mais ou menos um estágio por mês da seleção e eram dois dias e meio, seis treinos. Na seleção é muito mais puxado o treino porque não pode roubar muito tempo da parte do clube. São raras as semanas em que não há competição. Nós agora só vamos ter uma semana em dezembro e outra em abril. De resto são três treinos por semana, jogo ao fim de semana, sempre, a época toda. E a seleção tenta-se enquadrar sempre de domingo a terça feira. Chegamos domingo à noite, treinamos segunda três vezes, treinamos terça três vezes e vamos embora. É comer, dormir e treinar. É muita carga mas foi graças a este trabalho que conseguimos o que conseguimos.

Algumas palavras a dizer a raparigas que querem jogar futsal profissionalmente?

Nunca desistam dos sonhos que têm. Independentemente da idade, das condições do clube, se é com rapazes ou se é com raparigas, se são 5 anos mais novas ou 5 anos mais velhas. Lutem sempre por aquilo que querem porque com trabalho e com dedicação consegue-se tudo e nunca desistam de ter orgulho no que somos, mulheres e portuguesas.

 

Ler 2444 vezes Modificado em segunda, 14 outubro 2019 14:02
Sara Ribeiro

Redatora Principal

"Tomei o gosto pelas palavras bem cedo.
Encantada por todas as leituras e escritas que passaram e continuam a passar por mim, o meu percurso inevitável em Comunicação guiou-me até aqui.
Continuarei, para sempre, enamorada pelo poder da informação e pela liberdade que ela respira."